quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Forte e bem amargo. O café e o amor, por favor.

Era pra ser mais um dia comum, na mesma rotina abarrotada de inutilidades. Mas o interfone tocou e reconheci sua voz rouca pedindo para entrar. Eu abri o portão. Eu o deixei voltar aqui. Aí começou a auto-destruição. Que mania é essa que eu tenho, ein? Se meus amigos metidos a poetas me vissem agora, ririam, e declamariam uma poesia de melancolia pessoal, que eu provavelmente reconheceria, mas me faria de desentendida para não prolongar a conversa sobre o auto conhecimento, ou o conhecimento de qualquer um. Ele estava com a mesma blusa branca e com a mesma cara amarrotada de sono e preguiça, sinal de que acabou de acordar, literalmente, mesmo. Será que ao menos dormiu em casa? Acho que sim, ele odeia dormir fora. Ou odiava e agora isso é rotina pra ele. Não sei mais.

- Café forte, do tipo … - ele começou.

- Bem amargo - eu completei.

Ele me olhou e eu vi seu sorrisinho torto se formar. Ele sabia que eu lembraria do seu tipo de café favorito apesar de um bom tempo já ter se passado. Era o mesmo pedido de todas aquelas manhãs. Isso poderia ser considerada uma entregação, era demais pra ele. Mas não nos denunciamos assim, tão rápido. Me sentei a sua frente e lhe entreguei sua xícara de café bem quente, pelando.

- Não achei que me deixaria entrar.

- Não achei que viria.

Ficamos em silêncio por mais um bom tempo. Notei que ele me reparava e isso me deixava sem graça. Ele deveria saber disso, por isso o fazia. O café dele acabou, o meu esfriou.

- Não vai beber?

- Não vai falar?

Ele sorriu. Eu estava seca, grossa. Queria passar o sinal de que não me importava que ele estivesse aqui, que nem tinha feito falta, que eu me lembrava do seu café por pura rotina. Mas era mentira e ele perceberia isso a qualquer momento. Ele me conhecia. Odiava a maneira como ele lia meus olhos. Ainda mais agora.

- Então …?

- Então, o que ?

- Não vai falar?

- Estou esperando você começar. Preciso de um pouco mais de café … me passa a garrafa por favor?

- Começar o que?

- A falar, oras. Não vai mesmo me passar a garrafa?

- Desculpe. Está aqui. Mas eu não tenho nada para dizer, você que veio até aqui, algo quer. Então, o que é?

- Obrigado. Quero que fale, oras. Já disse.

Que tipo de joguinho ele estava fazendo? Ele me deixava confusa. Esse era o seu eterno efeito sobre mim, confusão. Na maioria das vezes em que estávamos juntos, eu mesma não conseguia distinguir algumas das minha falas embaralhadas. Ele dizia que era amor, eu dizia que era apenas eu.

- Que horas são?

- 10:30. Porque?

- Ligue o rádio.

- O que?

- O rádio, ligue-o.

Eu conhecia aquela música, e ele também. Era a nossa. Velha, batida, esquecida por muitos, mas sempre lembrada por nós. Porque era nossa. Como …?

- Como …?

- Eu pedi para que tocassem.

- Quando?

- Toda manhã, desde aquele dia, nesse mesmo horário. 10:30.

- Por que?

- Para cantar, para lembrar, pra reviver, pra você. É uma beleza de música, não acha? Não lembra? Tem a ouvido? Pois deveria. Já disse, é uma beleza de música, porque é nossa. Desculpe-me, não devo mais usar nós para nos caracterizar. Foi o que você me disse. É minha e é sua. De quando éramos um nós, e não dois pronomes diferentes.

O que ele estava tentando fazer? Deixar-me emocionada? Amolecer-me? Pois bem, ele conseguiu. Ele sempre conseguia. Lembrei-me novamente dos meus velhos amigos metidos a poeta. O que eles diriam agora, vendo-me daquela maneira? Com o rubor nas bochechas deixando tudo a mostra. Agora nos entregamos. Quer dizer, ele se entregou. Eu já havia me entregado desde o momento que abri aquele maldito portão. Que mania a minha, ein?

- Então?

- Então o que?

- Não vai falar? Eu disse que vim para que falasse.

- Volta, meu amor.

- Já voltei, meu bem, só esperava a sua confirmação.




#Vi por ai.

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