sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Nas curvas da highway.

Eu tô morrendo de vontade de chorar agora. Confesso que agora sim. Eu tô sentada na tua cama, vestindo o teu blusão e vendo a nossa primeira foto enquanto a música que você tocou pra mim no dia em que começamos a namorar soa de fundo. Não sei se ela tá na minha cabeça ou se realmente o rádio está ligado. Se eu molhar um pouco o lençol ou a nossa foto, não liga. Tô me sentindo meio seca demais por dentro, quem sabe assim melhora. Eu to desesperada. Vim pra cá, porque é meu ponto de paz. A sua mãe tá no cemitério, então não tem ninguém em casa. Eu não tive coragem de ir pra lá. Eu sei conversar com você daqui... e além do mais, aquele lugar me dá arrepios. Eu nem sei mais em que ano nós estamos, mas deu no jornal que já faz três anos desde o acidente na rodovia. Minha mãe diz que eu tenho que seguir em frente, mas eu me perdi aquele dia. Não há como seguir em frente no meu estado. Estou sem coração e sem pernas. Eu lembro que a gente tava discutindo sobre algo tão bobo que eu juro que se você ainda estivesse vivo iríamos a casa da sua mãe toda semana, você estaria livre para futebol aos domingos e, ciúmes?! Só o teu. Não chovia, muito pelo contrário o dia estava lindo. Os vidros estavam todos abertos e sei que você adorava o vento batendo nos teus cabelos. Dava uma sensação de poder. Sei que era meio de semana, porque a rodovia não estava movimentada. Sei que por isso também, você só aumentava a velocidade. E por quilômetros e quilômetros aquele chão era nosso. No começo nós dois riamos daquilo, de poder zigue-zaguear pela estrada... A música no som era alta, era contagiante. E a gente se divertia. Mas o caminho era longo, o sol saiu e até a graça daquilo acabou. Lembro que já estava um pouco escuro e que você estava cansado. Eu me ofereci, em vão, para dirigir. Você nunca deixaria ninguém dirigir o seu velho maverick preto. Garanto que eu teria causado um estrago menor. Eu acompanhava o rádio tentando te manter acordado. Não sei se a discussão começou por causa da música, pela minha insistência, pela luz forte do farol do outro carro... São tantas as opções. Sei que você se assustou e deu um pulo na hora. Eu disse que era melhor nós pararmos em algum posto e encostar para você dormir. Você insistia em não ter tempo pra isso, que era tudo frescura minha. Acho que essa foi sua última fala. Era uma curva, a gente estava distraído demais pra notar isso, estava escuro demais pra percebemos. O carro desceu aquele barranco aos capotes. Eu lembro de ter gritado e lembro de ver algumas coisas perderem o sentido. Lembro de ter chorado. Eu fui pro hospital e você morreu ali mesmo. Não sei em quanto tempo nos levaram para a cidade, não sei onde estávamos e não sei quem me deu a noticia de que você não havia sobrevivido. Eu sei que doeu, sei que foi estranho acordar em um quarto de paredes brancas e sem janelas. Sei que não conseguia me mover e sei que nossos pais já estavam ali. Sua mãe conversando com a minha, meu pai chorando... E eu sem me mover. Me tocavam e eu não sentia nada... foi ali que descobriram que ficaria paraplégica. Primeira notícia ruim. Todos saíram do quarto e uma moça de branco entrou. Me explicou que encontraram o Maverick preto amassado e duvidaram que eu pudesse estar viva. Quem dera eu tivesse morrido com você. Me contou que o que me salvou foi o fato de estar sem cinto e meu corpo ter quebrado o vidro, me fazendo voar para fora do carro. Me contou que seu corpo ficou estraçalhado entre as ferragens e teu enterro foi velado. Pronto, agora eu não precisava saber de mais nada. Tenho certeza que quase quebrei a mão dela, pois a segurei com tanta força... Olha, tua mãe chegou. Ela está de preto e acabou de me colocar na cadeira de rodas de novo. Ela insistiu para que eu fosse na fisioterapeuta. Nós vamos lá hoje. Ela disse que não tinha muita gente no cemitério hoje e que teus amigos mandaram lembranças. Posso levar a blusa comigo? Prometo que volto semana que vem e devolvo. Sinto muita saudade, essa é a verdade. Eu queria poder ter você aqui agora. Semana que vem já era pra ser a minha formatura. Lembro de fazermos tantos planos pra isso. Eu parei de estudar, você sabe. Mas estou planejando algo especial para semana que vem. Talvez a gente se encontre meu amor. Senti muito a sua falta.


Pauta para a 107ª Edição Musical do Bloínques.

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